Revista E&M: Um Golpe (Pesado) Sobre os Importadores

Empresas cuja actividade depende de bens e serviços importados já consideram a possibilidade de perder clientes. Alguns recorrem ao mercado informal de divisas. O futuro é incerto.


Escrita Por: Administração | Publicado: 9 months ago | Vizualizações: 19191 | Categoria: Economia, Finanças e Negócio.


Augusto Martilho Álvaro, chairman da empresa AMA Equipamentos, baseada na cidade da Beira, tem um contrato de importação de fertilizantes da Zâmbia avaliado em 50 mil dólares. Neste momento, precisa de trazer 600 toneladas daquelas substâncias para Moçambique, mas o sistema financeiro nacional não consegue garantir a disponibilidade de divisas. “Os bancos não têm divisas, e tive de recorrer ao mercado informal, onde o dólar custa 75 meticais [contra cerca de 63,5 nos bancos comerciais]”. Este aumento nos custos de produção, devido às taxas de câmbio, inevitavelmente elevará o preço final para o consumidor. “Estou a tentar encontrar uma solução há duas semanas”, lamenta o empresário. A solução encontrada foi enviar cartas aos clientes, pedindo-lhes paciência até que consiga obter as divisas necessárias para a aquisição na Zâmbia. No entanto, isso acarreta o risco de perder clientes para fornecedores que não enfrentam estas dificuldades. Fornecendo também equipamentos para sectores como o da saúde e o ferroportuário, o empresário criticou os bancos, acusando-os de captar depósitos em moeda externa sem garantir resposta em períodos de alta procura. “Moçambique não tem um sistema bancário comprometido em apoiar os empresários”, sentenciou. Crise na área de medicamentos? Evaristo Madime, chairman da Sociedade Moçambicana de Medicamentos, acrescenta: “Para nós, fabricantes, e para os importadores, o problema é o mesmo: sem acesso a divisas, a saúde da população está em risco”. O responsável explica que as dificuldades na importação de matérias-primas prejudicam o ritmo de produção. “Há atrasos sistemáticos no pagamento de facturas no exterior, e isto afecta a nossa produção”, confirma Madime. “Estamos a trabalhar in extremis porque não temos stocks para muito mais tempo de laboração. Temos processos de importação paralisados nos bancos à espera de divisas” As causas, segundo economistas e empresários, incluem a taxa de reservas obrigatórias, fixada pelo Banco de Moçambique em 39,5%. “Este nível é incomum na região; muitos países têm taxas de um dígito. Considerando os nossos indicadores macroeconómicos, o Banco Central deveria ajustar esta taxa”, sugeriu. Stock no limite Devido a estas dificuldades, a Sociedade Moçambicana de Medicamentos opera no limite. “Estamos a laborar in extremis, sem stock para muito mais tempo. Temos processos de importação parados nos bancos à espera de divisas. Na indústria farmacêutica, as encomendas de matérias-primas são feitas com antecedência e demoram meses para chegar, considerando o tempo de produção e logística”, esclareceu. Retomar subsídios Para Evaristo Madime, outras medidas estruturais que poderiam estabilizar o mercado de divisas incluem a retomado apoio às transacções para importação de combustíveis, anteriormente suportado pelo Banco Central, e a resolução dos sequestros de empresários. “A factura de combustíveis pesa na nossa economia, e a suspensão do subsídio obrigou os bancos comerciais a arcar com esses custos”, indicou. Medidas de combate ao branqueamento de capitais também reduziram a liquidez de divisas. A crise dos sequestros contribui para desinvestimentos e perda de capital. “Estes factores combinados reduzem a disponibilidade de divisas, algo que não experimentámos nos últimos 20 a 30 anos”, lamentou. Especulação no câmbio informal Augusto Álvaro relata que, recorrendo ao câmbio informal, paga cerca de 75 meticais por dólar na Beira – 11 meticais acima da média bancária. A E&M visitou o Mercado Central em Maputo, onde o valor está a 70 meticais por dólar, um aumento face aos habituais 65-66 meticais, devido à dificuldade de acesso nos bancos. Já Evaristo Madime explica que o mercado informal não é solução para os industriais, que movimentam grandes volumes. “A produção seria muito mais cara, tornando o preço final incomportável para os consumidores. Este mercado só serve para pequenos importadores”, disse, destacando a incompatibilidade com normas de conformidade financeira “Esta é uma situação que nunca experimentámos anteriormente, pelo menos nos últimos 20 a 30 anos. Mesmo na altura das dívidas ocultas, não havia falta de divisas a este nível” Preocupação generalizada O tema da escassez de divisas foi amplamente discutido na 15.ª edição do Economic Briefing da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA). “Este assunto parece pequeno, mas não é! Muitas vezes, temos uma factura de 50 mil dólares para pagar fora do País e não conseguimos – não estamos a falar de milhões, mas de 50 mil dólares”, enfatizou Almir Eduardo, responsável da CTA com o pelouro da Construção Civil. Crise na aviação O sector da aviação é um dos mais sensíveis à falta de divisas. A Ethiopian Airlines já deu conta das dificuldades em repatriar capitais obtidos com vendas de bilhetes. “A situação é preocupante e, se persistir, podemos suspender voos para Moçambique, prejudicando a economia local”. A Air France e a Cathay Pacific desistiram de operar no País, temendo não conseguir expatriar divisas para cobrir custos operacionais. Problemas no sector dos combustíveis A Puma e a Vivo Energy, empresas do setor de combustíveis, enfrentam dificuldades no pagamento de facturas e ponderam reduzir as operações se a situação persistir. Ambas as empresas apelam ao Banco de Moçambique para baixar a taxa de reservas externas e adoptar medidas que facilitem a circulação de dólares na economia nacional.
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